Certa feita, alguém perguntou ao Chico Xavier: “Quem são os criminosos?” A sábia e inspirada resposta é uma grande lição para todos os que possuem “Olhos de ver e uuvidos de ouvir”, ou seja, na expressão do próprio Divino Mestre Jesus, são todos aqueles que não se prendem ao pé da letra e procuram conservar bem abertos os olhos e os ouvidos, para, além da letra que mata, encontrarem o espírito que vivifica. Eis a singela resposta do medianeiro Chico Xavier: “Criminosos somos todos, quando descobertos.” Somente com a pureza de um coração cristificado poderemos aquilatar o alcance dessa resposta.
Quantos criminosos se escondem nos tribunais e nos parlamentos, gastando vultosas somas do erário público na aplicação ou na aprovação de leis totalmente ineficazes? Por exemplo, a lei que descriminaliza o usuário de substâncias tóxicas, deixando toda a comunidade à mercê dos bandidos e dos traficantes, vez que na referida lei não há garantia e previsão por parte do poder público das respectivas medidas para que o usuário de drogas seja submetido a um tratamento de desintoxicação, seguido de acompanhamento social e psicológico. A audácia e o raio de ação dos traficantes vêm atingindo uma onda crescente, onde os chefões do tráfico dominam e controlam os sequazes e comparsas do interior das próprias penitenciárias. Ouvi recentemente de um ex-sentenciado que a droga funciona como moeda dentro da penitenciária, garantindo o equilíbrio entre as facções de poder. Quando um preso presta um serviço a outro sentenciado do mesmo pavilhão, o pagamento pelo serviço prestado pode ser no bolso (dinheiro) ou na cabeça (baseado de maconha, pedra de crack ou carreirinha de pó – cocaína). Não é preciso uma ginástica mental para perceber as imensas falhas de todo o sistema, onde todos os responsáveis (Judiciário, Executivo e Legislativo) deveriam fazer um mea-culpa.
Na verdade, também nos ensinou o Mestre dos Mestres e Senhor Jesus que “Nada há encoberto que não nos será revelado”. Não adianta nos iludirmos com a vã pretensão de pureza quando ainda nos encontramos presos ao ego e à tola vaidade das coisas passageiras deste mundo. Podemos até enganar os nossos irmãos de jornada terrena, afivelando as máscaras de virtudes que ainda não possuímos, pois ainda somos, em maioria, lobos em peles de ovelhas, embora disfarcemos muito bem. A parábola que a avó contava ao seu neto retrata a dupla face que carregamos: “Filho, dentro de nós existem dois lobos, um lobo mau e outro bom, prontos ao ataque.” E o neto quis saber do avô, qual lobo seria o vencedor. O avô respondeu que o lobo vencedor seria aquele ao qual você mais alimentasse, através das emoções e energias dos sentimentos. O lobo mau venceria com a prevalência do nosso lado intrigante e obscuro, revelado pela inveja, a maledicência e os sentimentos relacionados, ou seja, tudo o que apraz a um mau-caráter. O nosso bom lobo interior seria alimentado e fortalecido com as boas energias do altruísmo, com a fé positiva, com a boa vontade e com tudo o que venha a contribuir para a melhoria de nós mesmos através dos bons exemplos praticados.
Legalmente, toda ação criminosa tipificada como tal, seja por ação ou por omissão, constitui uma violação culpável da lei, caracterizada como delito. Os delitos são inúmeros, desde prestar um falso testemunho em qualquer tipo de documento, como declaração de imposto de renda (IR); vender, comprar ou utilizar qualquer mercadoria não genuína ou original (pirata); vender, comprar ou utilizar qualquer mercadoria que não entrou legalmente no País (contrabando); omissão de socorro ou de conhecimento de qualquer tipo de crime ou fato delituoso de qualquer natureza; subornar ou aceitar suborno de qualquer natureza (corrupção ativa e passiva); comercializar, doar ou utilizar qualquer tipo de droga e ou psicotrópico ilícito (inclusive, sem receita médica); adulterar qualquer tipo de documento ou bem; sonegar impostos ou tributos; difamar, caluniar ou agredir; agir com racismo; ameaçar de qualquer forma ou natureza, inclusive por gestos e mímica; falsificação ideológica, ou dizer que é outra pessoa, assinar por ela sem procuração em cartório; violação de correspondência; dirigir alcoolizado; furtar, inclusive, pequenos furtos e furto de uso.
Dentre tantos delitos previstos na lei penal, com certeza alguns já cometemos, infringindo-os no presente ou em situações passadas. Com uma análise sincera de nossas atitudes, certeza que não escaparíamos da pecha de criminosos, embora encobertos pela posição que ocupamos neste mundo. Quantas vezes atropelamos os direitos do nosso próximo para beneficiar aqueles que consideramos mais merecedores? Quantas desculpas ou mentiras inventamos para amenizar ou livrar a barra de alguém, às vezes de uma pessoa muito querida, de modo que não responda por um ato ilícito cometido?
Quem somos nós para cobrar a pureza e a virtude dos irmãos de jornada, baseando-se nos limitados e estreitos horizontes do ego? Quando finalmente exerceremos as lições de vida do Divino Mestre, que nos ensinou a não julgar, porque com a mesma medida usada para julgar os outros, também seremos julgados, convidando-nos assim a um olhar profundo para dentro de nós mesmos. Olhar sincero e profundo que descortinará a nós mesmos quem realmente somos. Seremos surpreendidos com o que veremos. Quantas situações que não consideramos sequer faltas leves, mas que aos olhos do Deus de pureza são crimes odientos? Quantos desejos impuros, quantos falsos julgamentos, desonestidades e pensamentos impiedosos que formulamos constantemente?
Os grandes criminosos vivem em nosso meio para nos servir de ensinamentos, conforme ensina o consolador prometido por Jesus, o Espírito de Verdade. (Caridade para com os Criminosos – cap. XI). O querido médium Chico Xavier costumava afirmar que “as nossas penitenciárias deveriam ser verdadeiros institutos de reeducação”, exemplificando ele mesmo com visitas regulares que fazia nas penitenciárias, levando o abraço amigo, o estímulo da boa palavra e a esperança de uma vida melhor para todos. Também o filósofo cristão Huberto Rhoden asseverou em uma de suas obras magníficas: “Aquele que pode deve, aquele que pode deve e não faz, gera débito e débito gera sofrimento” . Todos podemos e devemos fazer algo para aliviar a carga do nosso próximo. Comecemos nos conscientizando do que realmente somos, do que temos feito concretamente em favor do bem e da paz em nossa sociedade. Quando descobrirmos a nós mesmos, visualizamos o indivíduo que gostaríamos de ser, mas que ainda não somos; assim nos esforçaremos mais para chegarmos ao verdadeiro homem de bem.
“De que maneira condenar os semelhantes, se não dispomos de meios para analisar-lhes o sofrimento, quando o sofrimento lhes extravasa do ser, em forma de ignorância e doença, obsessão e criminalidades? Que espécie de dor terá erguido o braço daqueles que promoveram a destruição do próprio corpo? Quem terá impulsionado a mão do homicida contra aqueles que lhe experimentaram os golpes? Quantos dias de resistência gastaram corações queridos, mas ainda inseguros, até que se emaranhassem nas trevas da tentação? Que forças invisíveis na Terra conduziram ao enfraquecimento e ao desânimo almas belas e cultas quando desertaram dos compromissos que elas próprias criaram na causa do bem? E qual teria sido nosso comportamento se houvéssemos faceado as inquietações e os problemas em que os nossos semelhantes considerados em erros se matricularam em rudes provas? (Hospitalização Carcerária – Emmanuel).
Francisco de Assis Alencar
é coronel da Polícia Militar. http://pmvida.blogspot.com/
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