Cidadania e Justiça

sexta-feira, 6 de março de 2009

A lógica da “violência legítima”

O crescimento da violência urbana, em suas múltiplas modalidades – crime comum, crime organizado, violência doméstica, violação de direitos humanos – vem se constituindo uma das maiores preocupações sociais da sociedade brasileira contemporânea nas duas últimas décadas. A sociedade brasileira, estarrecida com o aumento da violência, pressiona o governo, desejando uma solução rápida para o problema. As políticas públicas brasileiras para a área de Segurança Pública sempre foram marcadamente repressivas e autoritárias, reduzindo a questão social a mero problema policial. O modelo autoritário e injusto existente em nosso país formatou-se a partir das atitudes inconsequentes dos que esperam alcançar, com tranquilidade, o controle da segurança pública apenas com o emprego da repressão policial. A lógica da “violência legítima” suplantando a “violência ilegítima”, ou seja, daquela violência que é monopólio do Estado (a legítima), que dela se utiliza para conter a violência ilegítima dos criminosos, justifica os constantes apelos por partes da sociedade, cobrando aumento de contingente policial, armamentos letais, viaturas, enfim, de todos os meios considerados eficazes no combate à criminalidade.Pela lógica da “violência legítima”, decantada nos romances policiais e nas invenções do cinema americano, estilo robocop, exterminadores do futuro, homem-aranha e mulher maravilha, os cidadãos de bem, diante da notícia de que há traficantes usando armas pesadas, concluem que a única solução é o Estado dotar os policiais de meios mais poderosos para eliminá-los, tornando-se complacente com exterminadores. Por tal lógica simplista, a idealização de que só lograremos êxito no combate ao crime dando carta branca à polícia para que ela possa erradicar o mal pela raiz seria o mesmo que esperar a erradicação da dengue pela eliminação pura e simples dos doentes atingidos pelo mosquito Aedes aegypti.A lógica do menor esforço com base em soluções imediatistas apenas contribui para retardar o avanço das políticas estatais asseguradas na Constituição da República, como direitos sociais, proteção à infância e adolescência, garantia de formação escolar e profissionalizante, entre outras. A ineficácia do Estado na promoção da cidadania reflete-se na lógica ineficaz da “violência legítima”, propiciadora do círculo vicioso dos inaceitáveis índices de criminalidade atingidos nos últimos anos. Não se pode pensar em reprimir simplesmente o tráfico de drogas sem se preocupar com as outras instâncias ligadas ao tráfico: lavagem de dinheiro, contrabando de armas e munições, corrupção, narcotráfico, enfim, toda uma rede de conexões criminosas a requererem muito mais do que o aparato repressor estatal. O problema da criminalidade requer ações muldisciplinares, envolvendo não só a polícia e o aparelho judiciário do Estado, mas todas as forças vivas da sociedade, igrejas, associações civis e militares, organizações não-governamentais, escolas, universidades, etc. O envolvimento de todos ensejará novos rumos para as políticas públicas, permitindo quebrar o círculo vicioso da violência “legítima”, inclusive, liberando as forças policiais de mazelas acumuladas ao longo dos anos, ao se lhes atribuir toda a responsabilidade pela situação descontrolada da criminalidade.Segurança Pública não pode ser o mero somatório de órgãos policiais, mas depende de ações integradas de todos os segmentos organizados da sociedade, sob a coordenação do Estado, com apoio do Judiciário, Ministério Público, Ordem dos Advogados (OAB) e demais órgãos ligados à Justiça, aos quais cabem estabelecer, em parceria com a comunidade, programas de prevenção e combate à criminalidade. As nações mais poderosas do planeta, as que dispõem do maior potencial bélico, estão chegando à conclusão de que de nada adianta tanto poderio. Se tivessem aplicado os trilhões de dólares gastos com mísseis, navios, tanques de guerra, deslocamento e manutenção de tropas militares na pesquisa científica para melhorar as condições de vida no planeta, não estaríamos sofrendo os efeitos brutais da crise, o desemprego, o aumento das tensões, a miséria e a fome e outros.O grande jurista Marquês de Beccaria, no ano de 1775, disso já se apercebera, quando proclamou ser “mais fácil, mais útil, prevenir que reprimir”, verdade inexcedível ainda longe das nossas consciências. Estão no caminho certo as autoridades responsáveis pela Segurança Pública em nosso Estado ao direcionar seus esforços para a prevenção e a parceria com a comunidade. Exemplo de sucesso é a “Operação Legalidade”, realizada pela Polícia Militar em parceria aos órgãos fiscalizadores do município, que fechou o cerco nos bares e estabelecimentos irregulares.

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